12 de agosto de 2014

Mesa do Herson #7 - D&D e a Interpretação de personagens


Olá pessoal! Dois posts seguidos pois não sei quando poderei voltar a postar aqui. Então é bom me precaver e postar pra manter a média de 4 textos por ano haha

Ainda na minha jornada nostálgica ao meu velho material de RPG, acabei me lembrando das minhas antigas discussões, tanto com o Grupo do Herson, quanto com o meu próprio grupo, a respeito do potencial interpretativo do D&D. A verdade é que eu era bem frustrado porque meus jogadores queriam mais pancada e menos roleplay. Enfim, resolvi explorar o tema no blog!

D&D sem Masmorras e Sem Dragões


Há muitos anos, quando eu jogava D&D em Brasília no antigo grupo do Herson, muitas das minhas frequentes discussões RPGísticas com meus colegas de grupo, adeptos ferrenhos de sistemas recentes como Storyteller e GURPS, tinham um problema: quase todos achavam que a interpretação no D&D é algo "inviável". Bem, não sei o quanto isso pode parecer surpreendente para os jogadores mais experientes, mas o problema não era tão difícil assim de ser localizado.

Grande parte do preconceito vinha originalmente do D&D (Entrar em masmorras, matar monstros, pegar tesouros), que acabou bem enraizado nas mentes da galera. De certa forma, meus amigos não estavam errados. O D&D não surgiu para privilegiar o roleplay, a interpretação e a brincadeira de teatro. Ele é descendente direto do 0D&D, que buscava adaptar o tradicional wargame (joguinho com miniaturas) para um mecanismo mais simples.

O que a maioria deles esqueceram, é que o D&D evoluiu MUITO nos últimos anos, enquanto sistema, enquanto cenário e enquanto RPG. Além disso, grande parte da ênfase do roleplay cabe ao mestre e seus jogadores.

A Importância do Background


Para começar, vale uma medida básica para qualquer grupo interessado em interpretação: o Background. O histórico do personagem é o ponto mais importante de qualquer processo interpretativo dentro do RPG. Se o personagem não tem um passado ou pretensões futuras, a interpretação simplesmente não acontece - ou na melhor das hipóteses, demora a surgir. A elaboração do background costuma ser parte envolvente dentro da criação de personagens; é quando surgem os primeiros trações de envolvimento entre personagem e jogador. É tipo conhecer um camarada novo e tentar fazer um amigo...

No caso particular do D&D, as boas e velhas caixas de mundos específicos (Campaign Settings) fornecem bastante material para um background elaborado. Basta certo conhecimento prévio e aproveitar os ganchos presentes nos livros de descrição de ambiente.

Como exemplo, poderíamos citar um jovem que se tornou um cavaleiro de Solamnia por tradição familiar - embora não considerasse isso como um futuro ideal. Abandonou a Ordem pouco tempo depois, trazendo vergonha para sua família, sendo vítima da rejeição e tornando-se finalmente um vilão terrível, inimigo ferrenho da Ordem (que, em sua mente, lhe trouxe desgraça). Este personagem foi feito sob medida para uma aventura de Dragonlance, mas todos os mundos oferecem possibilidades quase que infinitas.

O mestre , obviamente, não deve ficar atrás. Antigamente, em minhas aventuras no grupo do Dandan, eu chegava ao exagero de determinar backgrounds até para os taberneiros. Hoje em dia não chega a tanto (a não ser que eles sejam relevantes para a história), mas qualquer NPC de importância mediana deve ter um background. Isso ajuda a imergir os jogadores no ambiente e, portanto, a interpretarem melhor.

Uma boa história ajuda também

O background nos leva, então, à trama. Esqueça o manjado estereótipo do grupo de aventureiros que invade a masmorra, mata o dragão, salva a princesa e divide o tesouro. Para quem busca roleplay, isso é besteira. Pode ter sido um bom tema durante a década de 80 ou 90, mas deixou de ser uma boa idéia a mais de 10 anos.

Uma boa interpretação está diretamente ligada a uma boa trama. Se você, enquanto mestre, faz com que seus jogadores tenham por única função matar goblins em uma caverna, como esperar que se envolvam na história e almejem algo mais do que "matar-pilhar-destruir"?

Ao elaborar uma aventura (E principalmente uma campanha), deve-se primeiro escolher o melhor modo de ligar o tema central ao background dos personagens. É vital que os personagens tenham um vínculo forte com a história, que sejam importantes para seu desenrolar e desfecho. Pedaços do background dos personagens podem, com certeza, fornecer muito mais ideias do que uma dúzia de suplementos.

O passo seguinte é obter uma trama convincente, algo que incite o jogadores a pensar, em vez de flexionar os músculos. Aventuras envolvendo intriga, ou a presença de um antagonista MUITO mais poderoso que os personagens dos jogadores, costumam apresentar bons resultados.

Outro estereótipo a ser esquecido é o velhinho/soldado/garoto que invade a taverna à procura de aventureiros. Abusar deste simples e viciante recurso é muito simplista. Faz com que os jogadores comecem a reclamar: "Caramba, outra vez?"

Nem todos os personagens pensam apenas em dinheiro. Mesmo assim, precisam de um bom motivo para permanecer com o grupo durante a missão. Um modo fácil e eficiente é fazer com que o grupo de personagens seja "tragado" pela aventura: o objetivo está tão ligado às suas vidas que não há como fugir do destino. Um exército de orcs que toma a cidade natal dos personagens e a subsequente criação de uma "aliança rebelde" com o envolvimento dos personagens é um bom exemplo de como isso pode funcionar.

Papel Importante dos Jogadores


No decorrer da aventura o Mestre pode "atribuir papéis" de importância a cada personagem, forçando seus jogadores a interpretar. Ainda no caso do exército orc, um dos personagens poderia ser procurado por um homem misterioso que alerta sobre um traidor entre os "rebeldes" - e a rebelião é apenas uma armadilha para desmascarar e capturar descontentes. O que esse personagem fará com a informação? Como confiá-la a alguém, se qualquer um pode ser um traidor? Este é um problema que não pode ser facilmente resolvido com uma espada +10 vorpal, mas sim com roleplay...

Mas cuidado com esta técnica: se o Mestre atribuir estes "papeis vitais" a dois ou três personagens, a aventura pode depender apenas deles, enquanto os outros jogadores ficam só olhando. É preciso que o grupo inteiro se sinta importante.

O sistema de "atribuição de papeis" não deve forçar o personagem a seguir o que o Mestre planejou. É importante deixar o jogador livre para decidir (ou pelo menos fazer ele pensar que é livre).

Guerreiros + Clérigos = Porrada


Outra dica é aproveitar melhor as classes de personagem do D&D, coisa que muitos Mestres esquecem. É comum ler em pesquisas de popularidade de classes pela internet que Guerreiros e clérigos são mais escolhidos que as demais classes por terem um potencial maior para o combate. Bem, se esta é a única utilidade destas classes em seu jogo, você está fazendo algo bem errado...

Guerreiros podem ser levados a interpretar se o Mestre explorar suas maiores fraquezas: a dependência de armas ou a impotência frente a um inimigo que não pode ser vencido pela força física (um mago de extremo poder, por exemplo). O que fará dele quando sua força se mostrar inútil? Apesar de "traumático", este método deve obrigar o jogador responsável pelo guerreiro a procurar outras maneiras de ser útil ao grupo, e, principalmente, interpretar.

Os clérigos, então! Bem explorados, são personagens com fantástico potencial de interpretação. O segredo está em usar de forma criativa o vínculo entre o deus e seu servo. Imagine um clérigo fervoroso de uma deusa bondosa que surge para ele em um sonho; ela diz que cada discípulo seu deve sacrificar um amigo corrompido, como prova de devoção. O que acontece quando um dos outros jogadores do grupo tem um personagem mau? Como o clérigo fará para manter a fé? Irá ele rebelar-se contra sua deusa e sofrer sua ira? Ou irá cumprir seu papel como servo e arcar com as consequências de seus atos perante os outros jogadores?

Estes são apenas exemplos tirados da manga, mas servem para demonstrar o potencial de interpretação escondido em cada classe de personagem. Basta pensar um pouco, analisar os pontos fracos e fortes de cada uma delas. É mais fácil e compensador do que se imagina...

Existem infindáveis outras maneiras de colocar interpretação no D&D. Mais do que provar isso, espero que este texto faça você enxergar esses jogos de forma diferente. Pode ter certeza, meu amigo: eles podem ser muito mais do que apenas "Masmorras e Dragões", basta querer!

Um comentário:

Odin disse...

Pelas minhas barbas! Excelente post, nobre clérigo!

Meus parabéns!

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